As 5 fases em direção ao empreendedorismo e suas armadilhas
Um modelo para ajudar você a decidir se deve sair de onde está para empreender algo novo
Sair de onde você está para empreender algo novo - essa é uma decisão normalmente muito difícil, e cada pessoa lida da sua própria forma com as fases desse processo decisório. Há quem perceba com facilidade coisas que outros precisariam de diversas sessões de terapia. Alguns não hesitam em pular para a ação, enquanto outros só dão um passo mais ousado quando tiverem pensado sobre tudo.
Além de diferentes perfis, cada pessoa tem diferentes contextos, o que coloca mais ou menos dificuldade em cada uma das fases. Alguém com filhos, financiamento para pagar e sem resguardo financeiro vai ter mais dificuldade com decisões muito arriscadas, por exemplo.
Porém, tenho percebido que as fases desse processo são normalmente as mesmas para todas as pessoas. Elas mudam em intensidade e forma, mas parecem se aplicar a todas as decisões que envolvem grandes e difíceis mudanças profissionais.
Até agora, mapeei 5 fases e um total de 16 armadilhas comuns. Nesse texto, vou apresentar um resumo da 1ª fase (insatisfação prolongada) e duas de suas armadilhas.
Fase 1: insatisfação prolongada
Essa fase é caracterizada por uma progressiva e prolongada insatisfação com o estado atual. Essa insatisfação, com o tempo, faz surgir o desejo por uma vida alternativa. Sabemos que não queremos mais fazer o que estamos fazendo, e sabemos que queremos fazer algo diferente – mas raramente, nesse estágio, temos clareza de que algo é esse. A insatisfação prolongada nos faz ver que queremos uma alternativa, embora não saibamos qual é essa alternativa. Ao menos não com clareza.
Nem sempre uma grande mudança começa pela insatisfação. Acontece que é possível decidir buscar um desejo insistente (fase 2) sem precisar, antes, fugir de algo indesejado. Por exemplo, é mais fácil buscar o desejo de empreender para aqueles que ainda não construíram uma vida profissional relevante. É mais fácil dar um pulo para a frente quando não se está deixando quase nada para trás. Há pouco a perder. Aliás, essa é a razão pelo qual muitos empreendedores são jovens: não que eles sejam mais capazes de empreender (pesquisas mostram o contrário), mas é que, para eles, decidir empreender é mais fácil. Não tem muita coisa envolvida.
Quando eu decidi fundar a TAG - Experiências Literárias, eu tinhas 22 anos, era solteiro, estava me formando da faculdade e não precisei fazer grandes concessões ao decidir empreender. Não precisei abrir mão de grandes coisas. A única coisa da qual eu abria mão eram outros futuros.
Portanto, nem toda mudança é difícil. Mas as mudanças difíceis quase sempre passam por algum estágio de insatisfação. Por quê? Porque a insatisfação prolongada é justamente o sinal de que a mudança é difícil. Ela é o sinal da procrastinação. Afinal, se fosse fácil, você já teria saído e não estaria insatisfeito! As mudanças significativas, portanto, as que temos dificuldade de fazer, quase sempre envolvem tanta força para abandonar o velho quanto para buscar o novo.
Quando eu comecei a perceber que não queria mais trabalhar na TAG, a empresa que eu próprio havia fundado, era nessa fase que eu me encontrava. Nesse momento, decidir empreender algo novo implicava em transformar o presente em passado. E eu demorei sequer para perceber minhas insatisfações com o estado presente, quem dirá entender suas causas. Eu estava vivenciando os desafios da fase da Insatisfação prolongada.
Nessa fase, é importante conseguir reparar nos motivos das insatisfações que começarem a surgir, para poder entender seus padrões. Onde está o problema? Do contrário, padrões podem se repetir em ciclos viciosos de insatisfação. É fácil acreditar que empreender resolverá os problemas, mas isso pode não ser verdade. Por isso, passar dessa fase exige maturidade e capacidade de autoanálise.
Duas das principais armadilhas dessa fase:
Ciclo vicioso da reclamação: é muito comum que algumas pessoas, por falta de autoconhecimento, não consigam perceber nem entender as origens de suas insatisfações. São os reclamões. Não evoluem com suas insatisfações, mas ficam presos nelas. É preciso cuidar para não se tornar um. O problema é que a gente vai se tornando aos poucos um reclamão, e acaba nem percebendo. Para evitar que isso aconteça, uma dica é reparar na repetição das reclamações. Quando a gente volta e meia traz sempre o mesmo assunto à tona, é sinal de que estamos demorando para fazer alguma coisa para resolvê-lo. Outra dica é reparar no seu estado de humor. No livro Nexus, do escritor americano Henry Miller, um dos personagens era um reclamão: “A gente se esteriliza no escritório. Lembra-se, Henry, como eu estudava quando éramos garotos? Deus, naquela época eu tinha ambição. Ia empolgar o mundo. Agora... bolas... não tem a menor importância. Você sabe, estou sempre criticando-o por ser um preguiçoso filho da puta. Mas acho que o invejo. Você parece estar sempre se divertindo. Divertir-se mesmo quando morre de fome. Eu nunca me diverti. Nunca mais. Meu mau humor é espantoso”. Seu mau humor está ficando espantoso? Sinal de que está lidando mal com suas insatisfações. Hora de reparar com mais atenção para conseguir quebrar o ciclo vicioso.
Insatisfeito, mas bem-sucedido: o sucesso é tanto um objetivo quanto um possível inimigo, dependendo das coisas que vierem junto com ele. O sucesso é uma armadilha porque faz a gente aceitar insatisfações e permanecer nelas. Normalmente, são duas as moedas do sucesso: dinheiro e reconhecimento. É com elas que o sucesso compra nossa aceitação. Assim, permanecemos prostrados numa situação “bem-sucedida”, mas desprazerosa e infeliz. Não é fácil perceber isso. Assim como o medo, o sucesso também nos cega. Com frequência, fingimos estar satisfeitos (porque é assim que os outros pensam que somos) a tal ponto que nem mais conseguimos perceber nossa infelicidade. É como se a gente só conseguisse nos perceber através da imagem que vem do espelho da sociedade, nos enxergar apenas a partir dos olhos dos outros, sem conseguir direcionar o nosso próprio olhar para nós mesmos. “O que é que eu quero?” Não sei dizer. Mas se eu não souber dizer, quem vai saber?
Vivenciou outras armadilhas? Me conta, por favor.
Nesse estágio, não está totalmente claro o desejo de empreender. Menos ainda qual será o empreendimento. Por enquanto, é apenas a constatação, através do sentimento da insatisfação prolongada, de que será preciso enfrentar uma ruptura.
Em algum momento, nossa insatisfação começará a ser tão grande, ou durar tanto tempo, que nos forçará a pensar em alternativas. É quando começa a surgir um desejo insistente, nossa 2ª fase – e pauta para o próximo texto.