Eu pedi demissão da minha própria empresa. Como eu percebi que não queria mais?
Não foi nada fácil. Mais difícil ainda foi conduzir a decisão, depois de ter conseguido tomar ela.
Foi muito difícil tomar a decisão de sair da TAG – Experiências Literárias. Como não seria? Eu mesmo tinha fundado ela: tivemos a ideia, concebemos o produto, colocamos no mercado e ralamos por 10 anos pra fazer tudo isso dar certo e crescer. Não era uma decisão como trocar de carro, envolvia mais que isso.
Além disso, eu não fazia a menor ideia do que viria depois e eu não tinha conseguido acumular grana suficiente para não me preocupar com isso. Sair da empresa significaria perder meu pró-labore, perder voz decisória na operação e diluir minha participação societária. Era difícil enfrentar essa decisão. Só que eu não estava mais feliz lá dentro.
Quando fundei a empresa, eu não tinha pretensões de carreira. Não pensava em ser diretor de nada nem c-level de coisa nenhuma. Queria fazer o que tivesse que ser feito para a TAG prosperar. Mas conforme a empresa cresce, as posições surgem – e é preciso que seja assim. Aos poucos eu fui virando um diretor-executivo, responsável por partes importantes da operação, com times abaixo de mim, processos de gestão para comandar e metas para gerir. Acontece que eu amo empreender. E amo a TAG. E amo o que a TAG representa. Mas não amo ser um executivo. Nunca quis parar na posição em que parei.
Minha cabeça gosta do improviso do jazz, a do executivo gosta da precisão da música clássica. Na poesia, meu verso é livre, o do executivo é decassílabo. Minhas decisões gostam de ouvir as vontades, a do executivo seguem quase exclusivamente as ponderações racionais. Minha rotina quer ritmo próprio, a do executivo segue o ritmo necessário à empresa. Enfim, prefiro criar estruturas a ficar atuando dentro delas, de modo que eu passei a me sentir um tanto engessado pela função de diretor-executivo, afastado do processo de criar coisas novas e de fazer com as minhas próprias mãos.
Eu não estava mais feliz. Mas eu tentava dizer para mim mesmo, como sempre fazia, que “paciência, é o que a empresa precisa de mim agora”. Por um tempo isso é ok. Acho maduro aguentar situações indesejadas. Mas já estava passando tempo demais nisso, sem perspectivas de mudar, e eu não queria continuar vivendo uma situação que eu precisasse aguentar. Então tomei coragem e saí da minha própria empresa.
Não foi a primeira vez que enfrentei uma decisão que mudou radicalmente minha vida profissional. Dez anos antes, quando decidi fundar a empresa, eu não sabia nada sobre nada de empreendedorismo e não tinha a menor ideia de onde estava me metendo. Mas eu sabia que queria empreender. Lembro que muitos outros colegas de faculdade também diziam que queriam empreender, mas sempre jogavam a realização desse desejo para depois, por um motivo ou outro. Antes, diziam, precisavam fazer isso ou conquistar aquilo. Só que eu não queria esperar mais, porque tenho certo sentido de urgência e não gosto dessa coisa de ficar procrastinando sonhos. Então também tive que tomar coragem para ir em frente e fundar a minha empresa. A mesma coragem que precisei exercitar novamente dez anos depois para sair dela e partir para uma próxima.
Não foi fácil. Nem empreender aos 20, nem “desempreender” aos 30. Mas se tem uma coisa que as decisões difíceis me ensinaram ao longo da vida é que elas não devem ser evitadas. Se não perseguirmos nossas vontades, elas vão nos assombrar. Se continuarmos engolindo nossas insatisfações, elas vão nos engasgar. E a frustração vai ser o resultado inevitável, independentemente do “sucesso” que tivermos.
Por isso, é preciso agir. Só que a ação só vem depois de uma decisão, e decidir é difícil. Inventamos mil e uma desculpas para não ter que enfrentar uma decisão dessas. Dizemos que a razão de não fazermos tal coisa está nisso ou naquilo. Só que quase nunca está realmente nisso ou naquilo. A razão para não fazermos tal coisa é a falta de coragem para passar pelo processo de tomar a decisão.
Eu já contratei e liderei muitas pessoas. Nesse processo, entendi que o que separa um empreendedor de um funcionário não é competência, inteligência, menos ainda o clássico “ele teve uma ideia, eu não”. É só que o empreendedor decidiu ser empreendedor, ao passo que o funcionário decidiu ser funcionário. E não tem problema nenhum em ser funcionário. A menos que... você queira empreender ou que você esteja insatisfeito como funcionário. Nesse caso, algo precisa ser feito.
Desde que eu saí da empresa, conversei com muitas pessoas. De tudo o que eu podia ter para falar a respeito da minha trajetória empreendedora, o assunto de maior interesse era minha decisão de ter saído: como eu concluí que não queria mais estar na empresa? Como eu conduzi a decisão, desde que eu percebi o que queria? Por que eu decidi sair? Foi difícil?
Algumas dessas pessoas já eram empreendedoras, inclusive mais bem sucedidas do que eu, que sofreram um reality check e já não tinham certeza se as coisas seguiam fazendo sentido. Outros eram funcionários com espírito empreendedor, um pouco insatisfeitos com o trabalho, um pouco desejosos por tentar algo novo – mas presos no meio do caminho. E é por isso que as pessoas se interessavam: porque projetavam em mim, e na minha história, a expectativa de encontrar inspiração e algumas respostas para as suas próprias dúvidas.
Numa dessas conversas, um amigo meu, Henrique, que trabalhava em uma empresa de consultoria, disse ter se identificado com meu relato e mencionou algumas insatisfações parecidas que ele mesmo carregava. Como eu já tinha ouvido essas mesmas reclamações (porque insatisfações repetidas já são reclamações) em conversa anterior, chamei a atenção para isso. Foi uma oportunidade para, em vez de fugirmos do assunto, imergir nele. Conversamos por quase duas horas, depois nos despedimos.
Quase um mês depois, recebo uma mensagem. Era o Henrique. Entrou em contato comigo para dizer que tinha pedido demissão e ido viajar para a Argentina com a namorada. “E o que você vai fazer depois?”, perguntei. “Ainda não sei”, disse ele, “mas percebi, com uma clareza que vinha sendo difícil alcançar, que eu não queria mais estar na empresa em que estava e agora vou empreender alguma coisa”. Isso é coragem.
Eu falei algo especial para ele perceber isso? Não exatamente. No fundo, a gente sabe o que quer. Só que é difícil acessar. Às vezes porque é duro admitir, às vezes porque estamos confusos para perceber. E aí, quando percebemos, nada exatamente novo surge, apenas a constatação do velho e já sabido, mas com a clareza e contundência necessárias para levar à ação.
Será que ele tomou a melhor decisão para ele? Eu não sei. O que posso dizer é que ele está feliz consigo mesmo e leve como nunca esteve, o que para mim é o sinal de que ele tomou a melhor decisão. Porque não tem como saber, de antemão, se uma decisão conduzirá a coisas boas ou ruins. Também é insondável o sentimento futuro que teremos com a decisão que estamos tomando agora. Seria ingênuo e charlatanesco, da minha parte, afirmar saber quais são as melhores decisões para as pessoas. Não está nas nossas mãos dar as cartas do futuro. Não sabemos para onde cada decisão nos conduzirá.
Mas o que está nas nossas mãos é a capacidade de levar as nossas decisões a cabo, sejam elas quais forem. De ir em frente com aquilo que a gente sabe que quer e de acabar com aquilo que a gente sabe que não quer. Esse poder nos pertence. E se quebrarmos a cara? Bom, aí aprenderemos com isso e, na próxima, tomaremos uma decisão melhor. Mas não ficaremos travados, apodrecendo, deixando a nossa chama apagar.
É preciso passar pelo processo. Porque as decisões difíceis que tomamos na nossa vida profissional – sair da empresa ou fundar uma, por exemplo – são apenas o output, o ponto de chegada de um processo decisório. Mas que processo é esse que precede a decisão de empreender? Existe algo que possa nos guiar ou tudo que nos resta é dizer “é preciso coragem, vá em frente”, como um conselho leviano de autoajuda profissional?
Eu acho que existe. Para isso, precisamos entender a estrutura de pensamento que guia uma decisão como essa e sistematizá-la. Não para produzir decisões como num processo fabril, pois as coisas são mais complicadas do que isso. Não dá para apertar um botão e pronto, decisão tomada. Mas é possível entender o processo decisório e usá-lo como guia para orientar nossos próprios pensamentos quando estivermos frente ao difícil desafio de romper com o estado atual e partir para novos e incertos ciclos profissionais (o que, por hora, serve como nossa definição de "empreender").
É o que eu estou fazendo agora: 1) classificando as principais fases do processo decisório, 2) enumerando os desafios e erros comuns em cada uma dessas fases e 3) listando algumas reflexões e técnicas que usei para tentar superá-los. Na próxima newsletter, pretendo trazer avanços. Por enquanto, eu adoraria saber: alguém aí se sente empreendedor, acalenta grande vontade de empreender, mas tem dificuldade (ou até dúvida) de fazer esse movimento? Lembrando que, como minha própria história mostra, até empreendedores têm dificuldade de empreender novamente. Não somente é difícil sair de onde estamos, como amedrontador partirmos para onde ainda não conhecemos.
Sim? Então me conta: o que é que está pegando? Quais as principais dúvidas, nóias ou dificuldades que travam você de fazer um movimento? Se você não se sentir confortável de expor publicamente, mande-me por email. Essas não são perguntas feitas sem intenção de saber a resposta, apenas para gerar engajamento. Eu genuinamente quero conhecer melhor os dilemas, as reflexões e as dificuldades desse processo decisório em outras pessoas. Vai me ajudar nessa tarefa de construir algum guia ou material que auxilie no processo decisório de empreender.
Fico feliz de encontrar nas suas palavras um espaço de troca, reflexão e acolhimento. Desde que eu fechei a minha empresa venho pensando em como voltar a empreender. Sinto que é um caminho inevitável mas tenho buscado criar bases um pouco mais sólidas para que isso se torna menos opressor. Certamente eu sei o que eu não quero. Isso me parece bom. Agora estou na jornada de descobrir o que eu quero. Vamos juntos!
Se bateu forte aqui? Demais. Já tem um tempo que venho numa sequência de processos decisórios e buscando tatear para onde tenho caminhado. Fico feliz em ouvir um pouco da sua visão sobre isso - e de pensar um pouco no meu próprio processo a partir da sua experiência.
Meu momento ainda vem repleto de indecisão. Estou um pouco como seu amigo, que não sabe o que vem depois (na verdade, sei algumas coisas, quero outras e o resto é puro teste para ver o que funciona para o mercado e para mim ao mesmo tempo). Mas tenho estado feliz por ter decidido não querer mais o que tinha antes. Não por enquanto, pelo menos.
Traga o capítulo 2, sim! Por favor.