Já sei o que eu quero e não consigo parar de pensar nisso
2ª fase: perceber qual é seu desejo insistente.
No capítulo anterior, falei sobre o momento em que percebemos que o que fazemos não é mais o que queremos fazer – com essa constatação, chegamos ao fim da 1ª fase, Insatisfação Prolongada, que tem esse nome porque é através desse sentimento que percebemos que o hoje já não faz mais sentido.
Em algum momento, nossa insatisfação começará a ser tão grande, ou durar tanto tempo, que nos forçará a pensar em alternativas: novos projetos, cargos, empresas, áreas de atuação, ideias de negócio… É nossa cabeça começando a imaginar outros futuros possíveis. Esse é o início da 2ª fase, Desejo Insistente, em que direcionamos a energia do presente (que nos gera insatisfação) para desenhar um futuro (que nos gera desejo). A maioria dessas ideias é fogo de palha: nos empolgam no início, mas logo depois as esquecemos. Acontece algumas dessas ideias viram desejo, e alguns desses desejos viram desejos insistentes - ou seja, nos fisgam e não saem mais da nossa cabeça.
Esses desejos insistentes se transformam em uma espécie de realidade paralela, nos fazendo imaginar aquilo que nossa vida profissional poderia ser. Às vezes, chegamos até a fazer alguns movimentos – compramos um curso ou um livro, por exemplo, como um indicativo nosso para nós mesmos de um primeiro passo. O tempo passa e percebemos que pensamos cada vez mais nessa vida profissional alternativa. Ela serve de fuga da nossa realidade. É nela que nutrimos esperança. É mais divertido pensar nela do que nos desafios que temos no colo. Isso vai criando uma tensão entre o que é vs. o que poderia ser, e quanto mais tempo você fica insatisfeito com o que é, e quanto mais põe energia e projeta expectativa no que poderia ser, mais a tensão aumenta.
Querer empreender (ou empreender novamente) é um desses desejos comuns, um canto da sereia que nos seduz, especialmente nos momentos em que nos sentimos desmerecidos ou subvalorizados no trabalho em que estamos. Mas aqueles que realmente querem empreender, não querem só quando estão insatisfeitos com o seu trabalho. Querem de forma constante e obsessiva, como uma ideia fixa. Sinal de que o desejo se transformou em um desejo insistente. Algo que, mais cedo ou mais tarde, precisaremos perseguir, do contrário ficaremos frustrados (“se não perseguirmos nossas vontades, elas vão nos assombrar”, como escrevi).
Ontem, conversei com um executivo que está atravessando justamente essa fase (e com uma capacidade de autoanálise admirável). Chamarei ele de José. Quase uma década atrás, José entrou como primeiro funcionário de uma startup, que agora já foi vendida. Ele ainda segue com como executivo, ganhando um bom dinheiro, mas seu coração já não está mais ali. Por isso, ele começou a empreender alguns projetos de consultoria por fora, tentando buscar outros interesses. Mas nada disso parecia tocar o objeto central da sua vontade. Ele estava em busca, embora não soubesse exatamente do quê.
“O que eu mais gosto, tanto na startup quanto nas consultorias, é ajudar as pessoas a perceberem o jogo que elas estão jogando e a construírem os padrões mentais corretos para performarem nesse jogo”, disse ele. “Sempre gostei de pessoas, sempre fui curioso para entender como elas veem a si mesmas, e sempre consegui ajudar elas a ver o jogo que elas estavam jogando de uma forma diferente, que potencializou o trabalho delas. Esse é o meu tempero especial, que eu sempre coloco no meu trabalho, seja na startup, seja na consultoria, seja no que for”. Na prática, a função que o José mais gostava de desempenhar era a de coach, só que, pelo próprio preconceito que a profissão adquiriu, ele tinha dificuldade de admitir isso. Ficou claro que ele era executivo e prestava consultoria como forma de poder exercitar essa função junto com as pessoas que trabalham com ele ou que o contratam. “E se esse tempero não fosse um tempero, mas o prato principal?”, eu perguntei.
Algumas semanas depois, José entrou em contato comigo para dizer que a provocação tinha dado frutos e queria minha ajuda para arquitetar como seria esse “prato principal”, sobre o qual ele já tinha algumas ideias. Enviei para ele um framework que eu uso para desenhar modelos de negócio, para que ele preenchesse e, em cima disso, discutíssemos. Mas ele veio para a conversa com uma maturidade tão grande, tanto sobre si mesmo quanto sobre o negócio que ele queria criar, que nem foi necessária uma discussão. O desejo insistente tinha sido identificado e tomado forma. O que ele me falou, ao final da conversa, ilustra o sentimento perfeito de quem está prestes a dar um check na fase do desejo insistente e partir para a próxima.
“Agora que eu tenho isso claro para mim”, disse ele, “percebo que é inevitável eu percorrer esse caminho. Me sinto responsável por esse futuro, sabe? Não só porque criar esse negócio me empolga, mas porque não criá-lo me abomina. Cada hora que eu consigo abrir no meu dia eu quero usar para pensar nele. Depois de buscar por tanto tempo, e finalmente encontrar, algo que me anima desse jeito e que faz tanto sentido para mim, não tem como eu não avançar.”
Empreender não é para todo mundo. Mas, se for para você, nada é pior do que bloquear-se de tentar. Como saber se esse é o seu caso? Como saber se é o empreendedorismo sua resposta? Aprendendo a ouvir suas insatisfações com o trabalho atual (fase 1, insatisfação prolongada) e identificar onde moram suas vontades (fase 2, desejo insistente).
Separei 4 das principais armadilhas dessa fase:
Idealizar o desejo: desejar é fácil. A grama do vizinho é sempre mais verde. O cenário imaginado é sempre melhor do que a vida vivida. É fácil cair em idealizações. Afinal, estamos insatisfeito e precisamos fugir dessa insatisfação. Fazemos isso criando histórias irreais sobre como nossa vida poderia ser diferente. Acontece que muitas pessoas não sabem refletir sobre os desejos que têm, de modo que nutrem sonhos infantis ou esperanças ilusórias. Isso certamente é verdade no empreendedorismo, em que se nutrem ideias simplórias como “ser seu próprio chefe”, “trabalhar de onde quiser”, “ditar suas próprias regras” ou qualquer coisa assim. É bem verdade que tudo é ilusório antes de ser vivido, mas nem por isso precisa ser irrefletido. É preciso saber pensar para evitar ser guiado por idealizações.
Não saber o que quer: a segunda armadilha é a incapacidade de perceber o que é que queremos. Na minha experiência, essa é a mais comum das armadilhas - e a mais difícil de resolver. As pessoas não sabem o que querem. E não falo aqui de uma visão de futuro. Imagine o que você responderia se eu perguntasse a você “quer um café?”. Você diria sim ou não, de forma imediata e sem muita dificuldade. Ou se eu perguntasse se marguerita é uma de suas pizzas favoritas. Você também responderia sem muita dificuldade. Porém, se eu perguntasse “você quer empreender?”, “você está satisfeito com o seu trabalho atual?” ou “o que é que empolga você profissionalmente?”, raramente as respostas são claras. Aprender a ouvir nossas vontades e a nos conectar com nossos desejos e empolgações é um enorme desafio, especialmente porque nossa cultura coloca muita ênfase em análises e argumentações - nem sempre as melhores estratégias para que percebamos a nós mesmos. É como um consultor de empresas que, apesar de conhecer tanto de negócio (e talvez justamente por isso), não é capaz de ter uma ideia ou de ter sua própria empresa. Tudo passa por um filtro analítico tão rigoroso que nada sai do outro lado. Às vezes, somos “consultores” de nós mesmos: temos tantos critérios, análises e argumentos aos quais aplicamos a nós próprios que já nem conseguimos perceber quem é que somos e o que é que gostamos de verdade - só percebemos nossos critérios. É como se a gente pensasse, “veja bem, queijo é delicioso, manjericão tem um ótimo aroma, tomate dá uma cor bonita, portanto imagino que talvez manjericão possa ser uma das minhas pizzas favoritas”. Ridículo, né? Pois é assim que muitas vezes abordamos nossos próprios gostos profissionais, de modo que não surpreende quando não conseguimos identificá-los.
Ter critérios demais: quanto mais conhecimento temos, mais corremos o risco de nos tornar o consultor de empresas que não consegue ter sua própria empresa, que mencionei acima; porque é o conhecimento que cria critérios. Assim, se por um lado o conhecimento nos ajuda a evitar caminhos errados, por outro ele cria tantos critérios que todo caminho parece ter sempre algo errado. Aquele que tem conhecimento fica consciente demais de muitas falhas, e essas falhas servem como sinal para não empreender. E isso é muito perigoso, especialmente para os amedrontados: afinal, o conhecimento é só uma ferramenta, e o medroso vai usá-la para confirmar seu medo. Falhas em tudo que é lugar! A maioria dos empreendedores bem-sucedidos, se tivessem criticado sua própria ideia com tamanho rigor, jamais teria empreendido. Eu mesmo, se conhecesse lá atrás o que eu conheço hoje, certamente não teria aberto a TAG. Teria sido uma boa escolha? Penso que não. Agora, é claro que não é possível des-conhecer o conhecido, então não faz sentido lutar contra o conhecimento. O caminho sugerido não é o da ignorância, mas o de saber usar o conhecimento - o que implica em conhecer seus limites. É preciso lembrar que o conhecimento tem esse defeito de, em parceria com o medo, minar nossas ideias; e lembrar que elas sempre terão furos. Portanto, aceite esses furos, aceite as falhas, aceite a incompletude das suas ideias, mire a big picture e o resto você resolverá em movimento, não esperando pela ideia perfeita – que nunca virá.
Ser uma metralhadora criativa: a criatividade é, essencialmente, a capacidade de usar pensamento lateral: conectar pontos de variados domínios. Por isso, pessoas criativas não têm dificuldade de ter ideias. Normalmente, também não têm dificuldade de se empolgar pelas ideias – a empolgação é o combustível natural dessas pessoas, que movimenta o motor do pensamento lateral e produz sempre novas ideias. O problema disso é que, embora ter ideias e se empolgar com elas não sejam problemas para a pessoa criativa, manter-se nelas é muito difícil – o que é premissa para conseguir construir um negócio em torno dessa ideia. Ou seja: muitos desejos, mas nenhum insistente. O novo brilha enquanto é novo, mas basta surgir uma nova ideia para deslocar a empolgação para lá. Nesse caso, penso que existem pelo menos duas coisas importantes a se fazer. A primeira é avaliar a ideia com base na relação mais profunda que ela tem com seus interesses pessoais. Afinal, embora a pessoa criativa seja naturalmente volátil, existem áreas que ela sabe que se interessa de forma mais perene. Manter-se nessas áreas não evita a volatilidade dos ânimos, mas garante alguma consistência de longo prazo. A segunda coisa a fazer é encontrar cofundadores que sirvam de aterramento e deem a solidez que a ideia precisa para virar um negócio.
Todos concordam que decidir uma profissão, aos 17 anos, é tarefa quase impossível. Não temos conhecimento de mundo, nem de nós próprios, para decidir com o que é que queremos trabalhar. Mas será que hoje estamos mais preparados para essa pergunta? Quando pergunto “se não fosse pelo dinheiro, você trabalharia com o quê?”, percebo enorme desconforto e desconhecimento.
Descobrir para onde aponta sua vontade - eis o desafio dessa 2ª fase. Caso ela aponte para um novo negócio que você pretende criar, então é provável que essa seja a semente de um empreendedor que está surgindo. Mas é claro que ter um desejo não é o mesmo que decidir persegui-lo. Para isso, é preciso tomar uma decisão, nossa 3ª fase, que explorarei no próximo texto.
às vezes vc parece q dispara uma metralhadora... cada parágrafo é uma semana a de reflexão 🥴